Um jato de realidade atingiu minha face. Um pássaro morto estava caído no parapeito.
Empurrei-o e um jato d'água molhou-me por completo. Nada em volta. Eu também não estava molhado, fora apenas impressão. Fechei a janela e tentei dormir.
Mas a cada vez que fechava meus olhos, via o mundo dos sonhos cada vez mais distante. E que mundo era aquele que me mostrava os males incuráveis da realidade?
Eu fazia parte do câncer da sociedade?
Joguei duas moedas para o moço na rua, caminhei mais umas quadras e cheguei na zona de guerra.
Não eram nem um, nem dois. Eram milhares de corpos estendidos e estraçalhados no chão. Respirei fundo e segui em frente, ignorando aquela gente, alguns dementes, muitos doentes.
Seria frieza demais da minha parte, não sentir empatia nenhuma por aquelas pessoas?
Seria frieza demais da minha parte, ignorar os pedidos daqueles decrépitos?
Talvez sim, talvez não.
Encarei o grande muro que estava na minha frente. Era ele que me dizia a diferença entre estar vivo e morto?
Era ele que me dizia todas aquelas palavras de piedade que todos ouvem antes de morrer?
Um padre aproximou-se de mim. Disse-me que iria me cantar uma canção e fazer uma oração.
Recusei, uma canção nunca salvou ninguém, e uma oração nunca fez mais do que dar falsas esperanças.
Ele consentiu. Respondeu-me que no fundo, eu estava certo, mas as pessoas precisavam desse tipo de coisa. E foi-se embora, ajudar aqueles que realmente precisavam de sua ajuda.
Sorri, não havia mais nada a fazer.
Desenhei um pequeno símbolo no muro, talvez um dia alguém descubra seu significado. E seu autor.
Voltava para casa, quando fui atingido. De fato, não havia mais nada que eu pudesse fazer por aquelas pessoas.
Suspirei, mas não seria meu último suspiro.
Ergui-me e segui em frente.
Enterrei o pássaro morto que ainda estava embaixo da minha janela e fui dormir.
E descobri que o mundo dos mortos não estava invadindo meus sonhos, e sim, a minha realidade.
O mundo dos sonhos ainda estava em seu devido lugar.
Era melhor dormir.
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